Índice da Obra        Seguinte: 2 – Unidade Subjacente à Humanidade


1 – INTRODUÇÃO
Os fatos da vida política brasileira, bem como dos demais países do mundo, deixam pouca dúvida de que existe algo de bastante errado na forma da organização política desses países.

Os muitos episódios de corrupção de diferentes tipos que atingiram um grande número de políticos nos postos mais altos das nações, além, é claro, da persistência ou mesmo do agravamento dos terríveis problemas econômicos, sociais e ambientais (desemprego, criminalidade, violência, exaustão dos recursos naturais, desequilíbrios ambientais e poluição crescentes etc.), compõem um quadro desalentador que requer uma explicação mais profunda, do mesmo modo que a busca de uma solução eficaz.

Casos de corrupção envolvendo dirigentes políticos do mais alto nível não são, de modo algum, típicos apenas de países periféricos. Eles têm ocorrido em grande número também nas nações mais ricas a exemplo dos Estados Unidos, do Japão, da Alemanha, da Itália e de outros países da Europa. Esse fato demonstra que também há algo de muito errado na organização política desses países, que costumam ser apontados como exemplos para os demais.

Mas o que torna mais dramática essa constatação no caso dos países periféricos é a situação de miséria e desamparo em que se encontra grande parte da população desses países – situação que por si só exige para ser superada uma grande eficiência e probidade ética (integridade, honestidade, retidão de caráter etc.) na direção dos assuntos políticos. Assim sendo, esses defeitos comuns nos sistemas políticos, tanto das nações economicamente hegemônicas quanto das periféricas, se tornam absolutamente intoleráveis dentro da realidade socioeconômica das nações periféricas.


Os Sistemas Políticos Dominantes

Ao longo deste texto procuraremos demonstrar que os sistemas políticos dominantes na atualidade são estruturalmente incompetentes e que, portanto, não é de causar qualquer surpresa que tantos problemas aconteçam. Ou seja, procuraremos demonstrar que tanto os sistemas políticos chamados de democracias liberais (como o que hoje está vigente no Brasil), quanto os sistemas de inspiração marxista (que até pouco tempo predominavam na ex União Soviética e no leste europeu, e que ainda predominam em países como a China, Coreia do Norte ou Cuba), apresentam falhas muito sérias, as quais estão diretamente relacionadas com a grave situação mundial de nossos dias.

Isso para falar apenas dos sistemas dominantes a partir da segunda metade do século XX, pois os exemplos do Fascismo italiano e do Nacional Socialismo (Nazismo) alemão, que foram importantes na primeira metade do século XX, são ainda piores do que os referidos acima, devido, entre outras coisas, ao acirramento do nacionalismo e do racismo.


A Necessidade de uma Nova Visão e de um Novo Sistema Político

Francis Bacon – o grande sábio inglês do final do século XVI e início do século XVII que é tido como sendo um dos maiores dentre os pioneiros do método científico – método esse que se tornou centralmente importante no desenvolvimento cultural e econômico das nações nos últimos séculos – escreveu em sua obra (1620) Novum Organum: Instauratio Magna (Novo Instrumento: A Grande Renovação). [Nota: Organum – conjunto de princípios para uso em investigação filosófica e científica; conjunto de obras de Aristóteles sobre a lógica e a arte de filosofar]:

“Seria algo insensato, em si mesmo contraditório, estimar poder ser realizado o que até aqui não se conseguiu fazer, salvo se fizermos uso de procedimentos ainda não tentados.”

Essa citação de Francis Bacon se aplica perfeitamente ao argumento central da presente obra, o qual diz respeito à necessidade imperiosa de que se desenvolva uma nova perspectiva em termos de filosofia social (com uma nova visão de mundo e do ser humano) com uma consequente nova ética, bem como novos sistemas sociopolíticos derivados dessa nova visão. Isso porque este livro objetiva contribuir para a realização de algo que até aqui não se conseguiu fazer, que é a superação da situação de terrível miséria, tanto econômica quanto política, ambiental e moral, em que se encontra grande parte da humanidade, especialmente (do ponto de vista econômico) aquela parte que habita nos países periféricos, nos quais vivem 2/3 da população mundial.

Em resumo, este texto afirma, sobretudo, que essa situação dos países pobres não poderá ser superada se não “fizermos uso de procedimentos ainda não tentados”, especialmente quanto ao desenvolvimento de uma nova ética e de um novo sistema político, fundamentados em princípios metafísicos verdadeiros.

Nesse sentido, precisamos perceber claramente o fato de que os sistemas políticos (inclusive os dominantes na atualidade) fundamentam-se em concepções básicas a respeito dos seres humanos. Ou seja, não é possível defender-se teses como as aqui apresentadas sem levar-se em conta determinadas ideias filosóficas e metafísicas (que estão além da existência meramente física, isso é, que são ético-morais e psico-espirituais), especialmente em relação à natureza e às capacidades dos seres humanos.

O professor C.B. Macpherson da Universidade de Toronto no Canadá – em sua conhecida obra A Democracia Liberal: Origens e Evolução – refere-se da seguinte maneira à importância desses pressupostos a respeito dos seres humanos ao considerarmos os sistemas políticos:

“Para mostrar que um modelo de sistema político ou de sociedade, existente ou ainda não existente, mas desejado, é praticável, isto é, para que se possa esperar que atue bem por longo prazo, deve-se admitir alguns pressupostos sobre os seres humanos, pelos quais e com os quais se há de contar. De que tipo de conduta política são eles capazes? Trata-se, evidentemente, de uma questão fundamental. Um sistema político que exigisse, por exemplo, que os cidadãos tenham mais racionalidade ou mais zelo político do que têm ostensivamente agora, e mais do que se poderia esperar em qualquer circunstância social a que se chegue, não mereceria muita defesa.” (p. 12; grifo nosso)

Por isso, ao criticarmos os sistemas políticos atuais como sendo equivocados e incompetentes para gerar uma ordem social justa e, portanto, como estando na base da situação de miséria em que se encontra grande parte da população mundial, bem como ao propormos novas regras para a organização política das sociedades, especialmente para aquelas dos países periféricos, não poderemos deixar de criticar os atuais pressupostos a respeito da natureza e das capacidades dos seres humanos.

Há uma passagem de E.F. Schumacher, em sua obra O Negócio É Ser Pequeno, que foi um grande best-seller anos atrás, na qual ele afirma essa conexão lógica entre a adesão a ideias falsas e as condições sociais catastróficas daí resultantes. Vejamos esta importante citação:

“Todas as matérias, não importa quão especializadas, ligam-se a um centro; são como raios emanando de um sol. O centro é constituído por nossas convicções mais básicas, pelas ideias que realmente têm força para nos mover. Por outras palavras, o centro consiste de Metafísica e Ética, de ideias que – gostemos ou não disso – transcendem o mundo dos fatos. Por transcenderem esse mundo, não podem ser provadas ou reprovadas pelo método científico comum. Isso não quer dizer, contudo, que elas sejam puramente “subjetivas” ou “relativas”, ou meras convenções arbitrárias. Têm de ser fiéis à realidade, embora transcendam o mundo dos fatos (…). Se não forem fiéis à realidade, a adesão a tal conjunto de ideias tem de conduzir inevitavelmente a uma catástrofe.” (p. 80; grifos nossos)

O argumento central deste texto está relacionado exatamente com isso: que a miséria física e moral – a que está submetida a maior parte da população mundial – está ligada aos equívocos dos sistemas políticos dominantes, os quais, por sua vez, são derivados de pressupostos metafísicos e éticos equivocados, especialmente no que diz respeito à natureza essencial e às capacidades dos seres humanos.

Há outra passagem, dessa mesma obra citada de E.F. Schumacher, que a nosso ver situa e sintetiza muito bem o cerne dos equívocos metafísicos e éticos da época atual, dos quais se derivam as atuais regras dos sistemas políticos:

“Apesar das ideias do século XIX negarem ou eliminarem a hierarquia de níveis no universo, a noção de uma ordem hierárquica é instrumento indispensável à compreensão. Sem o reconhecimento de “Níveis de Ser” ou de “Graus de Significação” não podemos tornar o mundo inteligível (…). Talvez a tarefa do homem – ou simplesmente, se se preferir, a felicidade do homem – seja alcançar um grau superior de realização de suas potencialidades, um nível de ser ou “grau de significação” mais elevado do que o que lhe advém “naturalmente”: mas não podemos sequer estudar essa possibilidade sem o reconhecimento prévio de uma estrutura hierárquica. Na medida em que interpretarmos o mundo através das grandes e centrais ideias do século XIX permaneceremos cegos a essas diferenças de nível, por termos sido cegados.” (p. 82; grifos nossos)

Ao longo da obra tentaremos evidenciar que essa insuficiência na percepção das “diferenças de níveis”, de fato, está na raiz dos principais equívocos das correntes de pensamento sociopolítico dominantes em nossa época, isto é, o Liberalismo e o Marxismo.

A luta entre essas duas correntes – e os sistemas políticos e econômicos delas derivados – marcaram, centralmente, a segunda metade do século XX, com todo o processo da “Guerra Fria”. No atual momento, contudo, já nas primeiras décadas do século XXI, a chamada democracia liberal alcançou uma avassaladora hegemonia, especialmente após as mudanças ocorridas na ex União Soviética e em todo o leste europeu.

Desse modo, concordando com a crítica de E.F. Schumacher, e talvez complementando a visão exposta nas citações anteriores, a visão de mundo que orienta o desenvolvimento desta obra considera que os erros fundamentais tanto do Liberalismo quanto do Marxismo residem justamente na falha de uma apropriada percepção metafísica, filosófica e científica, tanto do aspecto da unidade, quanto do aspecto da diversidade inerentes à espécie humana. Dessas falhas intelectuais, conforme tentaremos demonstrar, resultam sistemas políticos injustos e incompetentes, os quais estão na origem imediata dos grandes problemas mundiais.

Na filosofia social do Humanitarismo procuramos, naturalmente, sanar essas falhas. Cabe, nesse sentido, apresentarmos nessa introdução uma síntese dos princípios fundamentais do Humanitarismo:

Como uma doutrina ou como uma filosofia sociopolítica o Humanitarismo está fundamentado em apenas cinco grandes princípios que, não obstante sua simplicidade aparente, englobam toda uma visão metafísica que, sintética e alegoricamente, está sustentada por duas colunas mestras que são o lema do Humanitarismo: UNIDADE NA DIVERSIDADE.  Esses dois aspectos centrais constituem a essência da Lei da Fraternidade Universal que, aplicada à humanidade, é o primeiro e mais importante princípio do Humanitarismo. Conforme procuraremos demonstrar nesta obra, essa perspectiva metafísica e esses princípios são de fundamental importância para o bem estar da humanidade. Esses cinco princípios são:

1 – Todos os seres humanos constituem uma FRATERNIDADE UNIVERSAL (entendida como uma lei universal da Natureza, aqui aplicada à humanidade como um todo);

2 – Todos os seres humanos possuem uma mesma origem e uma mesma natureza essencial e, portanto, IGUAL VALOR;

3 – Não obstante a sua unidade e igualdade essenciais, os seres humanos apresentam CAPACIDADES DIFERENCIADAS;

4 – Em vista desses princípios, a norma que deve presidir a justiça e a harmonia possíveis entre os seres humanos é a da IGUALDADE DE OPORTUNIDADES para o desenvolvimento de suas capacidades individuais diferenciadas.

5 – O princípio ético da RESPONSABILIDADE DAS ELITES, do qual também depende o advento das novas instituições sociais.

Como podemos ver, a Lei da Fraternidade Universal da Humanidade é o cerne do Humanitarismo. Isso porque ela engloba, na verdade, os outros quatro princípios acima apresentados. Esses princípios adicionais são importantes porque especificam os aspectos fundamentais da grande Lei da Fraternidade Universal quando aplicada à humanidade (na verdade, seu axioma – Unidade na Diversidade – se aplica a todo universo manifestado). Portanto, na realidade, o objetivo único do Humanitarismo, como um movimento social, é a difusão e a aplicação prática da Lei da Fraternidade de todos os seres humanos, contanto que essa seja entendida apropriadamente.


O Plano Geral da Obra

Nos capítulos posteriores examinaremos, ainda que sinteticamente, quais são os pressupostos gerais a respeito dos seres humanos dentro do Liberalismo e do Marxismo, bem como seus consequentes modelos de organização sociopolítica.

Procuraremos, em resumo, mostrar de que modo essas duas correntes, embora sob diferentes premissas teóricas, tendem a nivelar os seres humanos dentro de padrões igualitaristas quanto às capacidades cognitivas dos seres humanos, o que afeta desastrosamente seus sistemas políticos daí derivados.

O Liberalismo baseado na concepção de ser humano como um agente essencialmente egoísta, embora com capacidades muito semelhantes; e o Marxismo baseado em uma concepção materialista e historicista do ser humano, na qual as capacidades também seriam muito semelhantes, desde que o meio material fosse bom e justo para todos.

A existência simultânea de uma unidade fundamental e de uma grande diversidade de capacidades não tem sido percebida como sendo as características básicas da humanidade. E essa falha marcante em nossa época está relacionada ao grande predomínio do Liberalismo e do Marxismo, com suas concepções fundamentais equivocadas e niveladoras.

Por essa razão se faz necessário iniciarmos com uma apresentação a respeito desses dois aspectos, da unidade e da diversidade humanas, a fim de que possamos ter um panorama mais claro da concepção de ser humano que está sendo usada para criticar as premissas do Liberalismo e do Marxismo.

Mais adiante, então, apresentaremos e criticaremos as premissas e os modelos políticos derivados tanto do Liberalismo quanto do Marxismo. Depois, procuraremos mostrar através de uma rápida análise de alguns dos mais graves problemas do Brasil, como esses problemas estão, de fato, relacionados com as falhas do sistema político atual.

Acreditamos que, por analogia, os principais elementos desta análise possam ser aplicados aos demais países, especialmente àqueles pobres e periféricos.

Finalmente, sugeriremos um modelo político alternativo derivado da visão aqui apresentada acerca da igualdade fundamental e da diversidade das capacidades humanas.

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