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4 – LIBERALISMO: PREMISSAS E SISTEMA POLÍTICO

As Correntes de Pensamento Dominantes

Não há dúvida quanto ao fato de que, pelo menos, desde a segunda metade do século XX as correntes de pensamento que podemos genericamente referir como Liberalismo e Marxismo são aquelas dominantes. Com a vitória dos Aliados e a derrota do Nacional-Socialismo (Nazismo) alemão, do Fascismo italiano e do regime monárquico-autoritário japonês (ultranacionalismo militarista) na Segunda Guerra Mundial, o Liberalismo e o Marxismo passaram a dominar amplamente o cenário das ideias sociopolíticas a nível mundial.

No Brasil, após a Segunda Guerra, com o término do regime autoritário do Estado Novo de Getúlio Vargas (que durou de 1937 a 1945) instaurou-se uma ordem liberal que perdurou até o golpe de 1964 quando se iniciou um período de cerca de vinte anos de uma ordem militar autoritária. Mesmo nesse período autoritário, contudo, o discurso dominante era de que a ordem militarista visava garantir a preservação dos valores culturais do Ocidente, como a liberdade e a democracia liberal, os quais estariam ameaçados pelo totalitarismo de cunho marxista ou comunista, bem como construir as pré-condições para o funcionamento de uma democracia liberal. Essa corrente de pensamento que deu sustentação ao período de autoritarismo militar ficou conhecida como Doutrina da Segurança Nacional.

A partir de meados dos anos 80 reinstaurou-se um regime democrático liberal, com a eleição de uma Assembleia Constituinte em 86, cujos trabalhos foram concluídos em 88. Esse processo culmina com a eleição direta de um presidente em fins de 1989.

Durante essa segunda metade do século XX existiu no Brasil uma oposição minoritária de cunho socialista, influenciada em maior ou menor escala pela corrente de pensamento marxista, a exemplo dos partidos socialistas e comunistas no Brasil. Como sabemos, essa corrente de pensamento também é muito expressiva dentro de outros partidos a exemplo do Partido dos Trabalhadores (PT), do mesmo modo que no meio cultural e acadêmico. A corrente do pensamento marxista, portanto, também merece ser examinada nessa obra (vide Capítulo 6).

No presente momento da realidade política brasileira (2009 e, nessa revisão 2019-20), mesmo com as mudanças ocorridas no leste europeu e o desmembramento e as transformações liberalizantes da antiga URSS e com a consequente hegemonia avassaladora do pensamento e dos modelos de organização política de cunho liberal, podemos observar que o pensamento marxista ainda é praticamente a única macro alternativa ao pensamento liberal, embora uma alternativa bastante debilitada na atualidade.

O pensamento marxista também exerce influência dentro das posturas de cunho social-democrata, as quais aqui estão incluídas dentro da vertente liberal, uma vez que não questionam as instituições fundamentais da democracia liberal, porém apenas lutam por políticas econômicas e sociais de caráter menos excludentes, ou mais distributivistas, dentro das regras do jogo da plutodemagogicracia liberal.


Premissas Equivocadas

A hipótese central desta obra, como dissemos antes, é a de que tanto o Liberalismo quanto o Marxismo estão fundamentados em premissas falsas a respeito dos principais atributos do ser humano, individual ou coletivamente considerado. Convém ressaltar que isso também é verdadeiro em relação às outras correntes de pensamento que foram importantes no século passado (XX), a exemplo do Fascismo e do Nacional-Socialismo nazista, cujas falsas premissas não serão aqui criticadas pelo simples fato de não serem hoje dominantes.

São essas falsas concepções acerca do ser humano, como já foi dito, que se projetam sob a forma de princípios ético-morais equivocados, bem como sob a forma das grandes instituições sociais, sobretudo os modelos de organização política, os quais estão na base imediata dos grandes problemas enfrentados pela humanidade.

Por essa razão, devemos fazer um esforço de síntese a fim de compreendermos a essência das concepções de ser humano (individual e coletivamente considerado) que nucleiam as correntes de pensamento, os valores ético-morais e os modelos de organização política derivados do Liberalismo e do Marxismo. Isso porque é em torno dessas concepções que se desenvolvem as principais instituições sociais da maioria dos países na atualidade, especialmente aqueles que desempenham clara hegemonia global.

Ainda que sintético, o exame das premissas e das instituições centrais do Liberalismo será um pouco mais amplo, do que o exame das premissas e das instituições do Marxismo, pela simples razão de que, em nossos dias, as instituições derivadas do Liberalismo tornaram-se amplamente dominantes em termos mundiais.


Os Primórdios do Liberalismo

O Liberalismo, tanto como uma ampla corrente na história das ideias sociais, quanto como um conjunto de instituições sociais derivadas dessas concepções fundamentais, trata-se de um fenômeno bastante complexo. Mesmo no Dicionário de Política, obra escrita por grandes acadêmicos como Norberto Bobbio, o verbete “Liberalismo” inicia-se com a observação: – Uma Definição Difícil.

Talvez a principal dificuldade para compreendermos os fundamentos do Liberalismo resida no fato de que se trata de uma corrente de pensamento com cerca de três séculos de existência (John Locke, por exemplo, publica sua obra Dois Tratados sobre o Governo em 1690). O Liberalismo, portanto, atravessou períodos de marcantes transformações do cenário mundial, como a Revolução Industrial. Naturalmente, ao longo desse dilatado período tanto o pensamento quanto as instituições liberais sofreram significativas transformações, em diferentes países e em diferentes momentos no tempo. Essas variadas transformações, então, é que tornam difícil uma definição precisa e sintética.

Em nossos dias, não é difícil percebermos que as grandes instituições políticas derivadas do Liberalismo dizem respeito à chamada democracia liberal, a qual analisaremos adiante. Contudo, no início do Liberalismo os seus princípios foram aplicados sob regimes onde as instituições monárquicas ainda eram dominantes, e deram origem a regimes onde somente tinham direito de acesso aos mecanismos de representação política aqueles que atendessem certas exigências ou franquias, como o fato de possuírem propriedades ou uma renda mínima. Em seus primeiros tempos, portanto, os regimes influenciados pelas ideias liberais não eram democráticos no sentido que hoje usualmente é atribuído à palavra democracia, onde se supõe, por exemplo, uma participação de toda a população adulta.


O Homem: Racional, Egocêntrico e com Capacidades Semelhantes

Um núcleo de premissas teóricas e de instituições liberais – mesmo sob essas grandes transformações – perdurou durante todo esse longo período, de modo que o modelo político hoje dominante no mundo ainda se denomina “democracia” liberal (quando na verdade se trata de uma plutodemagogicracia).

A seguir, então, procuraremos expor sinteticamente esse núcleo, o qual, como dissemos antes, quanto a seus fundamentos teóricos, deve necessariamente estar relacionado com uma determinada concepção das características fundamentais do ser humano. Repetindo, então: – os princípios éticos e as grandes instituições deles derivadas, devem necessariamente estar alicerçados numa dada visão de ser humano.

O Liberalismo surge como uma reação à ordem absolutista, sendo que um dos últimos grandes teóricos do Absolutismo foi Thomas Hobbes, autor da famosa obra O Leviatã (1651), o qual concebia o ser humano como naturalmente egoísta, senão violento, conforme podemos ler na citação que segue:

“Para chegar a justificar o governo absoluto, Hobbes parte da descrição do estado de natureza que, segundo se acreditava comumente por essa época, teria precedido o estado social. Encontra-se, sem nenhuma dúvida, no curso dessa descrição, traços do primeiro livro de história de Tucídides, no qual esse autor conta que numa época longínqua os gregos viviam de rapinagens e de violências, e que a única lei era a do mais forte.
“Tais eram, segundo Hobbes, os costumes de todos os homens primitivos. Dessa forma, no seio desses povos, nem os homens nem os bens gozavam jamais de segurança. Cada um devia se defender contra a violência dos outros, e cada homem era lobo para os outros homens, homo homini lupus. Por toda parte irrompia a luta de cada um contra todos – bellum omnium contra omnes.
“A fim de sair desse estado caótico, todos os indivíduos teriam cedido todos os seus direitos ao Estado. Cada qual teria colocado suas forças ao serviço estatal, a fim de que esse tivesse a possibilidade de pôr termo às violências de todos e remediar esse estado de coisas insuportável.” (G. Mosca e G. Bouthoul, História das Doutrinas Políticas, p. 189; grifo nosso)

“Leviatã” trata-se do nome de um animal feroz e muito poderoso, ao que tudo indica o crocodilo do Nilo, que é descrito na Bíblia, nos cap. 40 e 41 de , e sobre o qual ele escreve: “Não há poder sobre a terra que se lhe compare, pois foi feito para que não temesse a nenhum.” (, 41:24). É claro que Hobbes, ao valer-se da figura do Leviatã, sustenta que um papel benigno é desempenhado por um poder assim (o do monarca absoluto) o qual, ao atemorizar a todos, pode por termo às violências de todos e remediar este estado de coisas insuportável.

Nos primórdios da corrente do Liberalismo, a exemplo do que se encontra nos escritos do inglês John Locke – considerado como um dos grandes formuladores das origens do Liberalismo – parte-se também de uma concepção do estado de natureza, a qual, embora significativamente diferente da visão belicosa de Hobbes, via o ser humano no estado de natureza com um ser racional, egocêntrico e com capacidades semelhantes. Vejamos a síntese que a esse respeito nos oferece uma obra clássica:

“Locke não admite, com efeito, o terrível bellum omnium contra omnes. Sustenta ele que, mesmo no estado de natureza, o homem possuía a razão, e que era refreado por sentimentos de equidade natural. Dessa forma, cada indivíduo podia normalmente conservar sua liberdade pessoal e gozar do fruto de seu trabalho. Faltava somente uma autoridade que pudesse garantir esse direito. Assim sendo, os indivíduos consentiram em se despojar de uma parte de seus direitos, outorgando ao Estado a faculdade de julgar e de punir sem falar do encargo da defesa externa. Essa limitação de direitos foi estabelecida por contrato. (…) Assim, se o governo abusa daquela autoridade, viola o contrato social, e o povo reassume então a sua soberania. (…)

Para Locke, a propriedade privada encontra sua base no direito natural, que sustenta que cada indivíduo goze dos frutos de seu próprio trabalho.” (G. Mosca e G. Bouthoul, História das Doutrinas Políticas, p. 192; grifo nosso)


Os Três Poderes: Uma Ordem de Contrapesos

Tendo aceitado e tomando como base uma visão de estado de natureza diferente da de Hobbes, Locke chega a conclusões quase opostas e, diga-se de passagem, até certo ponto mais lógicas do que as de Hobbes. Assim, para Locke, não é necessário e nem devido termos um Leviatã, pois, logicamente, esse também será um lobo, preocupado apenas com os seus interesses e dos que lhe são caros, às expensas do bem-estar de muitos outros que seriam por ele explorados em benefício do grupo detentor do poder central. De fato, após tantos anos de predomínio das ideias liberais, quase ninguém mais associa o Leviatã (o poder absolutista) com um poder que exerce um papel socialmente benéfico, mas sim com um monstro aterrador de grande malignidade.

E é exatamente isso que muitos dos primeiros liberais denunciavam, e contra o que se insurgiam, pois o que podiam observar era justamente uma corte muito luxuosa e cheia de privilégios, enquanto a situação era de miséria e opressão entre a população menos favorecida.

Os primeiros liberais enfrentaram, desse modo, um dilema análogo ao descrito por Hobbes, porém em um grau atenuado: – se não houvesse um poder central maior os homens não teriam seus direitos naturais assegurados, mas caso houvesse um poder do tipo leviatânico, esse afrontaria a hegemonia do contrato social e, em consequência, ameaçaria os direitos naturais do ser humano.

A resposta desses pensadores a esse dilema deu forma às instituições liberais fundamentais, as quais, depois de muitas lutas, finalmente resultaram amplamente vencedoras. E embora tenham se transformado significativamente, como antes mencionamos, em seus traços essenciais essas instituições perduram até os nossos dias.

Que resposta foi essa? Foi a de conceber o que na ciência política chama-se uma “ordem de contrapesos”. Ou seja, algum poder apenas faria as leis, outro apenas seria responsável pela execução dessas leis, e um terceiro apenas ficaria responsável por julgar se essas leis estavam sendo cumpridas ou não. Uma ordem, como vemos, também fundamentada numa desconfiança básica acerca do homem e da humanidade (“todo poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”). Ou seja, uma ordem onde o primeiro e o segundo controlam o terceiro; o segundo e o terceiro controlam o primeiro; e assim por diante, formando um equilíbrio “mecânico” racional, como que de “contrapesos”.


O Estado Mínimo

Temos aí a origem da concepção dos três poderes fundamentais separados; hoje denominados legislativo, executivo e judiciário. Temos aí também a origem da concepção de um “estado mínimo”, que até hoje encanta os liberais. Já que existe a necessidade de um poder central maior, que ele seja o menor possível. E, mesmo esse, sempre dentro de um esquema de contrapesos. Tudo isso logicamente embasado numa desconfiança fundamental, que visa garantir que ninguém empunhe um poder muito grande, porque “todo o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente”, que é uma das máximas preferidas dos liberais até os nossos dias.

Vejamos outra citação da História das Doutrinas Políticas, antes citada, a qual corrobora o panorama sintético recém apresentado sobre os primórdios do Liberalismo:

“John Locke, nascido em 1632, morto em 1704, personificou as tendências liberais opostas às ideias absolutistas de Hobbes. Seu “Dois Tratados sobre o Governo” foi publicado em 1690, menos de dois anos depois da segunda revolução inglesa, que havia ocorrido no fim de 1688. Compreende-se que, escrevendo em seguida a um acontecimento dessa importância, um escritor político tivesse necessidade de tomar posição e de tornar conhecida sua opinião a respeito da questão. Locke justifica a revolução.
“O “Dois Tratados sobre o Governo” é dividido em duas partes. Na primeira ele se dá ao trabalho de refutar Filmer. Na segunda, partindo das mesmas hipóteses que Hobbes, ou seja, admitindo um estado de natureza seguido de um pacto social (ideia comum a vários escritores dos séculos XVII e XVIII), chega a conclusões opostas às sustentadas por Hobbes. (…)

“É a Locke que se deve a elaboração quase completa da teoria dos três poderes fundamentais, mais tarde desenvolvida por Montesquieu.” (idem acima, p. 191-192)


Um Homem, Um Voto

É importante notarmos que ao longo de sua história a principal modificação que podemos observar na prática dos modelos de inspiração liberal foi a gradual expansão das franquias que de início eram exigidas para o exercício do voto.

Desse modo, essas franquias foram se expandindo gradualmente, até que se chegou, por fins do século XIX, ou mesmo já em pleno século XX, ao chamado voto universal, o qual é hoje uma das características centrais das democracias liberais.

Essa gradual expansão em grande medida deveu-se às transformações pelas quais passavam as sociedades nacionais na Europa e na América do Norte, cada vez mais industrializadas, e que desencadearam movimentos sufragistas (que lutavam pelo direito de votar) no século XIX e nas primeiras décadas do século XX.

Porém, quanto às suas outras instituições básicas, a exemplo dos três poderes fundamentais, da ordem jurídica gerada por um pacto social, da economia de mercado (com ampla liberdade para os agentes econômicos), e da garantia de direitos individuais e de outras liberdades consagradas pela tradição liberal (a liberdade de palavra, de associação, da qual decorre uma ordem pluralista, onde existem vários partidos políticos etc.), todas essas instituições encontram-se até os nossos dias preservadas sem modificações essenciais.

No século passado (XX), então, foi consagrada e acrescentada a essas principais instituições liberais a do voto universal, não mais limitado por franquias pecuniárias, pelo sexo, ou quaisquer outras restrições. Isso desde muitas décadas se constitui em outro dos pilares dos modelos de organização de cunho liberal, ou seja, a noção de que todos são iguais em direitos e deveres e que, portanto, a cada indivíduo deve corresponder um voto (“um homem, um voto”).


Mudanças com Permanência das Premissas Fundamentais

C.B. Macpherson, autor da conhecida obra A Democracia Liberal: Origens e Evolução, tenta apanhar sinteticamente esse grande movimento de transformação no Liberalismo, como vemos na citação que segue:

“Os liberais do século XVII e XVIII, que não eram absolutamente democratas (a partir de, digamos, Locke até Burke), admitiam plenamente as relações capitalistas de mercado. O mesmo se pode dizer dos democratas-liberais do início do século XIX, e veremos (no capítulo II) até que ponto isso se aplica aos casos de Bentham e James Mill. Depois, a partir de meados do século XIX, como veremos (no capítulo III), os pensadores liberais tentaram combinar a aceitação da sociedade capitalista de mercado com uma posição ética humanista. Isso ensejou um modelo de democracia consideravelmente diferente do de Bentham, mas ainda implicando aceitação da sociedade de mercado.” (p. 27)

Vemos, portanto, que apesar das grandes transformações ao longo de sua história, o Liberalismo consegue preservar o núcleo de suas premissas fundamentais, bem como de suas principais instituições, embora elas tenham se enquadrado dentro da moldura de teorias significativamente diferentes.

É importante notarmos, sobretudo, que todas essas transformações ficam dentro da concepção fundamental do homem como um ser racional, egocêntrico, e com capacidades semelhantes, o qual, em última análise, sempre tratará de maximizar as suas satisfações pessoais.

Essa é a concepção genérica de ser humano que até os nossos dias predomina dentro do pensamento liberal. Na verdade, fora desse pano de fundo conceitual a instituição básica de uma ordem de contrapesos torna-se inconsistente e ilógica. Ou seja, fora dessa matriz conceitual não faz sentido uma ordem baseada numa desconfiança universal acerca do poder estatal. Não faz sentido a instituição fundamental de poderes independentes entre si, bem como o ideal de um estado mínimo, isto é, um poder central mínimo (devido à noção de que “todo poder corrompe”).

Ora, se todo o poder corrompe é porque todos os seres humanos são corruptíveis. E isto ocorre porque em todos os seres humanos predomina inexoravelmente, sobre todas as outras características fundamentais de comportamento, a defesa dos seus interesses particulares. Os seres humanos, portanto, por mais inteligentes que possam ser, são essencialmente egocêntricos – permanecendo assim verdadeira para os liberais, embora em grau atenuado, a generalização da máxima homo homini lupus.

Em vista desse estado de coisas, que faz com que todos se inclinem, sobretudo, a buscar a satisfação dos seus interesses privados, os pensadores liberais argumentaram que um modelo de organização social composto por essas principais instituições liberais significa a garantia de que será atingida a maior felicidade para o maior número de pessoas (Utilitarismo), e daí a coerência dessa visão de ser humano com o discurso da excelência insuperável do mercado capitalista, bem como da excelência de uma ética de cunho utilitarista.

Dessas premissas do pensamento liberal a respeito do ser humano deriva-se logicamente a defesa de uma moral, ou valores de conduta, centrada no princípio da busca pelo maior prazer e satisfação individual. Cabe lembrar que o Utilitarismo é uma corrente de filosofia social, importantíssima na sustentação teórica do modelo liberal, e que define “como fundamento das ações humanas a busca egoística do prazer individual, do que deverá resultar maior felicidade para maior número de pessoas, pois se admite a possibilidade dum equilíbrio racional entre os interesses individuais.” (do verbete “Utilitarismo, no Dicionário de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 1986, p. 1745; grifo nosso).


O Fim das Ideologias

Convém salientar que tanto a ética quanto o modelo de organização política do Liberalismo são coerentes com suas premissas e que, caso essas premissas a respeito do ser humano fossem verdadeiras, essa ética e esse modelo, de fato, seriam o melhor que se poderia esperar para a humanidade.

Em vista disso, e da enorme predominância alcançada pelos atuais modelos das plutodemagogicracias liberais, alguns teóricos liberais de nossos dias chegam a defender a ideia de que chegamos ao que chamam de “fim das ideologias”. Ou seja, uma vez que esse é o modelo mais adequado para a humanidade, aquele que assegura a maior felicidade possível para o maior número e, como se não bastasse, é aquele que se encontra em aplicação na grande maioria dos países e, certamente, nos mais poderosos – que em vista de tudo isso, teríamos chegado a um modelo definitivo. A partir desse período, todo o desenvolvimento futuro da humanidade se daria dentro desse modelo significando, desse modo, um fim das lutas entre filosofias e modelos políticos alternativos, um “fim das ideologias”.

Certamente deve causar boa dose de mal estar a esses pensadores tão otimistas o fato de que, apesar de termos alcançado uma visão definitiva (e, assim, verdadeira) do ser humano e da humanidade, bem como de termos chegado a um modelo permanente de organização político-social (e, portanto, bom e cientificamente consistente), que apesar de tudo isso a humanidade se encontre no estado terrível em que se encontra, onde se destacam, de um lado, os problemas do chamado subdesenvolvimento e, de outro, as ameaças crescentes de desequilíbrios ambientais catastróficos. Mas talvez a sua faceta mais triste seja o fato de que a humanidade de nossos dias se encontra sem qualquer perspectiva concreta de superação desse quadro num horizonte previsível. Na realidade, o que temos bem claramente previsível à nossa frente é um agravamento crescente de problemas e catástrofes colossais.

Tendo em mente esse panorama global, ainda que muito sintético, a respeito das premissas e do modelo de organização política do Liberalismo, passemos agora a analisar as falhas desse modelo. Iniciaremos essa análise procurando situar e enfatizar a importância decisiva dos modelos de organização política em relação ao bem-estar dos países em geral.


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